Agora que já entendemos que a Bíblia é uma revelação progressiva, podemos compreender que o Novo Testamento explica o Antigo e que muito do que foi escrito lá atrás era uma declaração específica, para um povo específico que estava numa condição específica, ou seja, não serve integral e especificamente para nós.
Não é o caso, entretanto, de ser inútil – isso seria, inclusive, uma blasfêmia, pois o apóstolo Paulo claramente aponta que “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, correção e educação na justiça”. É só que ler o “obscuro” é o caminho mais longo para se compreender a vontade de Deus; além disso, verdade seja dita, indo por lá é mais provável que a gente se complique mais do que se ajude.
Veja bem, a questão é que nem tudo o que está escrito na Bíblia foi escrito para a Igreja! Nós podemos sim, tirar proveito de tudo o que está escrito de algum modo, mas isso não quer dizer que todas aquelas palavras foram direcionadas a nós, e é aí que temos errado.
Precisamos compreender que apesar de Deus não ter mudado, a situação em que o homem se encontra diante de Deus mudou muito ao longo das eras. Deus continuou sendo o mesmo, no entanto, a condição do homem mudou.
Adão, por exemplo, tinha uma condição antes de pecar e outra depois – ele já não era o mesmo depois de desobedecer a Deus, logo, seu relacionamento com ele e as regras que o regiam não eram iguais.
Do mesmo modo, depois da Lei ser entregue a Moisés, a situação do homem perante Deus também mudou, pois a partir de então um regulamento que deveria ser seguido e pelo qual o homem seria julgado foi estabelecido.
Com a vinda de Cristo, sua morte e ressurreição, outra realidade foi instituída e, consequentemente, uma nova era (a da graça) com uma nova lei (do amor) se iniciou.
É claro que estou sendo simplista e resumindo tudo pra facilitar a nossa vida! O que eu quero, é que fique claro que a Bíblia é um conjunto de livros que, reunidos, contam uma história que só faz sentido quando sabemos lê-las.
A primeira coisa a ser considerada aqui, portanto, é que o Antigo Testamento não foi escrito para a Igreja de Cristo, isto é, não foi direcionado a ela. Se ele fosse uma carta, no campo “destinatário”, estaria escrito “aos Judeus Israelitas”.
Ora, isso explica muita coisa!
Explica, por exemplo, porque eu me senti tão mal ao ler as terríveis palavras de Jeremias para o povo de Judá.
De vez em quando, na minha infância espiritual, eu abria a Bíblia com o intuito de conhecer Deus e, como alguém havia me dito que a Bíblia era Deus falando comigo, como boa crente que sempre fui (e modesta, é claro, rs…), acreditei naquilo. Abri em Jeremias 17 e li:
“O pecado de Judá está escrito com um ponteiro de ferro e com diamante pontiagudo, gravado na tábua do seu coração e nas pontas dos seus altares… os teus bens e todos os teus tesouros darei por presa, como também os teus altos por causa do pecado, em todos os teus territórios! Assim, far-te-ei servir aos teus inimigos, na terra que não conheces… Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?”
“Enganoso… meu coração… corrupto… servir meus inimigos… terra estranha… ferro no coração… pecado… Ai, Jesus, me acode!”, eu pensava. E ficava com aquele sentimento de condenação, tentando me lembrar de cada pecado não confessado, procurando “cabelo em sapo”, com medo de Deus, como se a qualquer momento pudesse ser fulminada.
Mas, ei! não era a respeito de mim que Deus estava falando aquilo. Nem é a seu respeito, irmão (aleluia, o conhecimento realmente liberta!). Isso não tem nada a ver conosco, mas eu me perguntava como podia haver tantas coisas boas e ruins ao mesmo tempo escritas sobre nós dentro da mesma Bíblia. Como poderia Deus parecer um bipolar, bastando, para isso, virar algumas páginas?!
Simples: o Antigo Testamento não foi endereçado a nós.
O que Jesus resumiu como “a Lei de Moisés, os Profetas e os Salmos” (Lc 24.44) – o Antigo Testamento – era direcionado aos judeus, e contava uma história e regulamentava um modo de vida que lhes servia naquele tempo, antes de Deus resolver as coisas de forma definitiva através de Jesus. Mas tudo aquilo durara até João Batista (Lc 16.16), e a partir de então começou a ser anunciado o reino de Deus e, somente depois, ser gerada a Igreja.
Para falar bem a verdade, a Igreja ainda não existia nos tempos do AT e ninguém sequer sabia que ela um dia haveria de ser – ela era um mistério. Ninguém tinha conhecimento de que os gentios (todo aquele que não era descendente de Abraão e, portanto, que não era judeu), um dia poderiam ser considerados como povo de Deus, e que o Todo Poderoso ia confundir a teologia dos doutores da Lei, unindo todos os seres humanos (judeus e não-judeus) num só Corpo – a Igreja.
Quando lemos o Antigo Testamento, portanto, estamos vendo Deus tratando com o homem nas limitações daquela época, quando Jesus ainda não tinha vindo e resolvido o problema do pecado, isto é, quando a Nova Aliança ainda não havia sido estabelecida no seu sangue e o coração do homem ainda não havia sido purificado pelo sacrifício de Cristo.
É por essa razão que não é bom que comecemos a ler a Bíblia a partir de Gênesis, mas o ideal é começar pelo Novo Testamento – formado pelos Evangelhos, Atos dos Apóstolos e pelas Epístolas, dando especial atenção a estas, pois foram cartas escritas pelos apóstolos para as igrejas da época com o intuito de instruí-las, corrigi-las e fundamentá-las na verdade.
Elas simplificam (e muito) a nossa vida pelo simples (e maravilhoso) fato de serem direcionadas a nós! Foram escritas para explicar-nos como deve ser a nova vida em Cristo, e quais são as regras que estão valendo depois de estabelecida a Nova Aliança!
Ora, esta é uma Nova Aliança ou um Novo Contrato que, segundo a explicação das epístolas, é superior à Antiga, firmada ou estabelecida em promessas superiores (Hb 8.6) e tem novas regras! (Hb 7.12)
A igreja tem errado em ficar se detendo na leitura e no estudo do Antigo Testamento, firmando suas pregações e ensinamentos naquilo que disse Moisés, naquilo que fez Elias, nas atitudes que teve Davi e os demais profetas. Estamos numa melhor condição que todos eles, e precisamos nos orientar pelos referenciais certos!
Irmãos, estamos numa aliança superior!!!