Reza um dito popular que gato escaldado tem medo de água fria, e apesar de não ser muito adepta de ditados, devo reconhecer que existe um tanto de verdade nisso. Uma lamentável verdade, aliás.
Quem foi ferido, abandonado, traído ou amou errado. Quem assistiu de camarote alguém muito querido sofrer por outrem; quem não foi valorizado ou tratado de forma digna; quem se deu completamente e recebeu muito pouco em troca; quem estava disposto a tudo por alguém e teve nada quando precisou; quem amou e se frustrou; quem apostou e “perdeu” ao invés de ganhar… Enfim, quem metaforicamente já bateu com a cara na parede e se arrebentou todo, sabe do que estou falando e, bem provavelmente, tem medo de amar.
Já ouvi tantas vezes, de tantas pessoas, de lugares e idades diferentes, que não acreditavam mais no amor, que isso já virou clichê. Elas parecem predispostas a ter essa atitude mental, e se acovardam tão facilmente, que comprometem a saúde da sua vida como um todo.
Gente que têm medo de amar, de se doar, de dar o melhor que possui, de acreditar nas pessoas e estabelecer seus relacionamentos com confiança, tudo por causa de antigas experiências frustradas que se tornaram uma espécie de referencial do mal, assombrando todos os vínculos que começam a ser estabelecidos. Gente dolorida por dentro, que caiu numa espécie de autismo emocional, e perde o melhor de quem é bom, por causa do pior de quem é mau.
Eu as entendo. Já levei meus baques, e não poucos. Já feri e fui ferida, e sei bem do que estou falando. Compreendo perfeitamente quem se comporta como um cachorro chutado, que se acua num canto de parede ao ver pés dentro de sapatos vindo em sua direção, e acho que a maior parte de nós já viveu isso de algum modo.
Não falo apenas de relacionamentos conjugais, me entenda, até porque não amamos somente dessa maneira. É claro que nesse tipo de relacionamento é bem mais frequente, mas tem gente que foi tão ferido pelos pais, por exemplo, que tem medo de amar o Pai celestial. Existem pessoas que já foram tão abandonadas por amigos, que não conseguem mais ter vida social. Há outras que foram tão exploradas, que não conseguem confiar em mais ninguém… Pessoas enganadas, traídas e abusadas. Tantos tipos de dor e medo, para tantas quantas diferentes maneiras de amar existam.
Porque amar, sejamos francos, também é sofrer, e acho que muitos de nós pensamos no amor de uma forma tão romântica, que não conseguimos enxergar isso. Amar de verdade envolve abnegação, compreensão e perdão. E nada disso é fácil. Significa deixar-se em segundo plano e aceitar o outro integralmente, o que significa que não vai ser exatamente como se quer ou espera.
Veja bem, não quero dizer que quem ama faz o outro sofrer (nunca jamais!), mas que quem ama sofre, pois a bíblia ensina que o amor “tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta”, logo, ter medo de amar por ter medo de sofrer é uma grande contradição!
Amar é sofrer, e disso não podemos fugir. Não o tempo todo, não de todas as formas, mas de algum modo, sem dúvida. Há dor em engolir o orgulho. Há dor em perdoar (mas também há alívio). Há dor em priorizar os interesses dos outros em detrimento dos nossos. Há dor em renunciar. Há tanta dor em esperar, em ser gentil frente à rispidez, em silenciar diante da afronta… Há, de fato, muitas dores no amor, mas há graça para todas elas, e uma glória para cada uma.
Há um tipo de sofrimento que Deus não quer que passemos, é verdade. Há certas coisas que não precisamos mais passar, porque o Senhor já levou-as com ele na cruz. Não precisamos mais passar pela morte espiritual, definitivamente! Também todas as dores e enfermidades ele verdadeiramente carregou-as consigo, depois de toma-las sobre si, assim como a dor da privação, da miséria e do castigo. Não precisamos sofrer mais nada disso!
Mas Jesus nunca prometeu que não seríamos decepcionados pelas pessoas que amamos. Muito pelo contrário, ele advertiu que nossos inimigos seriam os da nossa própria casa (Mt 10.36), e ensinou sobre perdão tantas vezes, de tantas formas, com e sem palavras, que precisaríamos de um livro para falar de todas. Ele não enfeitou o maracá, nos fazendo acreditar que as pessoas nunca nos feririam – ele não nos iludiria jamais. Preferiu gastar seu tempo ensinando-nos a como passar pelas decepções sem perder a paz, a alegria, a comunhão com Deus e… a fé nas outras pessoas!
Já pensou se Jesus pensasse como tantos de nós? Ele nunca teria restaurado Pedro, e teria ficado desconfiado com os outros dez depois da traição de Judas. Mas Jesus não tinha medo de amar – ou de quebrar a cara, como costumamos dizer. Ele acreditava sempre no melhor das pessoas, e apostava nelas sem receio algum.
Tratava-se dele e não dos outros. Do seu caráter, da sua personalidade, do seu jeito de ser. Acreditar nas pessoas, trata-se de quem nós somos ou queremos ser, e não de quem elas são! Decidimos acreditar no melhor das pessoas não porque conhecemos seus históricos de boas obras e ética profissional, seus caráteres indefectíveis e maduros, mas porque nascemos para ser crédulos, já que nenhum homem nasceu para ser mentiroso.
Pensando bem, Deus não nos fez para a mentira. Ele não nos criou para enganar e ferir, sermos rudes e mesquinhos. Nascemos de Deus e, essencialmente, com a sua capacidade de amar e crer nas pessoas, ainda que sejamos feridos novamente…
Eu decidi que não vou medir as novas pessoas que conheço pelas antigas. Cada indivíduo tem uma história, uma personalidade, um contexto de vida e um caráter. As pessoas que entram nas nossas vidas não têm culpa do estrago que outras que passaram antes fizeram. É injusto usar a mesma régua para medi-las. Além do mais, existe muita gente boa, com um coração segundo o de Deus e cheio de amor pra dar, para conhecermos… só precisamos encontrá-las.
Não estou dizendo com isso que devemos nos expor, ou sermos irresponsáveis com nossos relacionamentos, servindo de capacho para quem só pensa em nos usar. Longe disso! Há um ponto de equilíbrio nessa questão, como em qualquer outra. Mas acredito piamente que podemos ser menos covardes e deixar nossos corações livres para gratas surpresas, novas amizades, novos amores, novas conexões que serão verdadeiras dádivas de Deus para nossas vidas…
Sei disso porque aprendi do Mestre Jesus, e porque decidi ser ousada o suficiente para pôr em prática. Hoje eu digo “ainda bem…”, e com o coração cheio de gratidão, louvo a Deus pelas gratas surpresas que ele tem me proporcionado.
Medo de amar? Não mesmo! Pois “no amor não existe medo; antes o verdadeiro amor lança fora todo medo” e “aquele que teme não é aperfeiçoado no amor”.
Não temamos fazer aquilo para o que nascemos… Nós nascemos para amar.
Luciana Honorata